Médicos apontam desvalorização profissional na Saúde de Jaguariúna
Os principais atores que fazem a Saúde de Jaguariúna ser apresentada como uma das melhores na região de Campinas, revelaram para esta reportagem, durante a última semana, um enredo preocupante e que pode estar afetando diretamente a qualidade no atendimento à população.
É que médicos e médicas, que atuam há anos nos aparelhos públicos de saúde municipal, e que se mantém no regime de contratação via CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), estão sendo, segundo relatos, “forçados” a pedirem demissão diante da desvalorização salarial e de trabalho, que se arrasta há pelo menos quatro anos.
Enquanto essa reportagem estava sendo produzida, por exemplo, mais profissionais celetistas entregavam suas cartas de demissão à Associação Santa Maria de Saúde (Asamas), responsável pela gestão do Hospital Municipal Walter Ferrari, Centro de Especialidades Ambulatoriais e pela Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
Essa é a realidade que ilustra o clima de insatisfação e de poucas garantias de melhorias nas condições de trabalho apresentadas pela Administração aos cerca de 60 celetistas, que ainda mantém vínculo empregatício com da Saúde municipal, mas que, ultimamente, dividem cada vez mais espaço de trabalho com colegas de profissão recebendo cerca de 50% a mais por serem contratados como terceirizados, ou, pessoas jurídicas (PJ). A “pejotização” da Saúde - uma estratégia para que a relação laboral existente com o médico não configure vínculo empregatício – é a maneira, segundo os próprios médicos de Jaguariúna, de desestimular o celetista a permanecer no quadro e prestar serviços ao município como empresa.
A estimativa é de que na região de Campinas, cerca de 85% dos postos de trabalho são remunerados na forma de contrato de serviços de Pessoa Jurídica e 15% em contratos de trabalho de prestação de serviços de acordo com a CLT; esses dados eram invertidos há vinte anos.
REAJUSTE
Após um período de quatro anos sem acordo entre o Sindicado dos Médicos de Campinas e Região (SindMed) e os sindicatos patronais, há poucos dias foi firmada a convenção coletiva para um reajuste de 8,83% nos salários dos médicos celetistas, que será corrigido a partir de abril. Esse reajuste, segundo os profissionais ouvidos pela reportagem, não atinge nem a metade da inflação acumulada nos últimos três anos, em torno de 21%, e tampouco chega próximo ao que um médico ou médica contratados como PJ estão recebendo pela hora trabalhada no município (conforme relatos abaixo). No entanto, o SindMed argumenta que o valor do reajuste (8,83%) “expressa a capacidade de mobilização e organização coletiva da categoria nos seus locais de trabalho, que vem de um longo e tenebroso período de desestímulo à sindicalização e à organização coletiva”. Por outro lado, o corpo médico afirma que procurou por mais de uma ocasião a direção da Asamas para a tentativa de um acordo de reajuste diretamente com a gestora da saúde. Mas a negativa de negociação, segundo argumentação da Asamas aos profissionais, seria pela necessidade de estabelecer um reajuste somente através de uma convenção coletiva entre os sindicatos. Uma argumentação que, diante da resposta encaminhada pelo presidente do SindMed, Moacyr Perche, não se sustenta: “Importante salientar que a ausência de uma convenção coletiva assinada não impede a contratação pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e tampouco a concessão de correção e aumentos salariais, quer seja pela negociação individual com o profissional ou coletiva com o conjunto de profissionais da mesma categoria pela empresa tomadora de serviços”.
RELATOS Os relatos de profissionais que há anos trabalham na Saúde de Jaguariúna mostram a preocupação, principalmente, com a qualidade dos serviços oferecidos à população atualmente. “Com um aumento de pacientes vindos de Pedreira, Holambra e Santo Antonio de Posse, através de convênios firmados, os moradores de Jaguariúna encontram um sistema de saúde com mais gente e mais demora no atendimento. O volume e a complexidade aumentaram demais devido aos acordos entres as prefeituras”, relatou uma fonte celetista ao O Jaguar. Segundo ela, a Administração estaria contratando há alguns anos apenas médicos PJ, ao invés de celetistas, e com isso, na sua visão, contribuindo para a precarização do serviço.
“Hoje as escalas estão cheias de buracos que ninguém cobre. Médicos PJ não criam vínculo com o emprego, então a escala fica volúvel. Quando o corpo médico era composto somente por celetistas, não faltavam plantonistas”, defende. Diante da falta constante de plantonistas, a Administração promoveu aumentos no valor da hora paga aos PJ, enquanto que os celetistas se mantiveram no mesmo valor. “Então está acontecendo de ter médicos realizando a mesma função, no mesmo plantão, porém com salários diferentes”, expôs. No último dia 13 de março, um comunicado da Asamas, da qual a reportagem teve acesso, informou aos médicos e médicas PJ que o valor do plantão de 12 horas passou a ser de R$ 1.650,00. Na outra ponta, segundo a fonte, para os médicos celetistas, o valor bruto do plantão gira em torno de R$ 1.110,00.
FALTA PROFISSIONAL
Outra fonte que conversou com a reportagem, presenciou nos últimos tempos a saída de colegas antigos de Jaguariúna, muito em razão do descontentamento e falta de esperança como celetistas.
“Gente que preza pela qualidade de atendimento, pessoas com mais de 10 anos de casa. Nestes anos todos eu vi um descontentamento crescente dos colegas e na evasão de vários. Em paralelo, a população cada vez mais insatisfeita”.
A evasão de profissionais teria deixado o Município em defasagem com anestesiologista, obstetra, pediatra, endocrinologista, otorrino, neurologista, neuropedriatra. Além disso, segundo a fonte, há situações internas que demonstram o “tapa buraco” da falta de profissionais.
“Tem médico atendendo no Pronto Atendimento Infantil (PAI) que não é pediatra; tem somente um médico na urgência de Jaguariúna. Não temos anestesista para urgências, pois ficam dois ocupados com cirurgias eletivas. Tem muitas situações erradas na Saúde”, revela.
“E o prefeito, enfim, fala da qualidade da saúde, dos benefícios, mas eu falo que o centro de especialidades, por exemplo, só é lembrado pela Secretaria de Saúde para pedir consulta. Se há verba p aumentar valor de PJ, por que não aumenta de CLT?”, questiona.
SINDICATO
Em entrevista ao O Jaguar, o presidente do SindMed, Moacyr Perche informou que foram feitas “várias tentativas” de negociar a convenção coletiva com os sindicatos patronais, desde a última convenção assinada em 2019.
Porém, segundo ele, as negociações só tiveram sucesso com um dos sindicatos patronais, no caso o Sindhosfil, nesse momento, já com um atraso de seis meses, uma vez que a data base historicamente é de setembro. “Continuamos a procurar o Sindhosp para fecharmos uma negociação, porém sem sucesso até o momento”.
Perche disse que o sindicato tem denunciado junto ao Ministério Público do Trabalho as tentativas de precarização do vínculo trabalhista através da pressão para a pejotização dos profissionais, “mesmo estes tendo todas as características de vínculo trabalhista típico como responder a chefia designada, não controlar sua agenda, ter local habitual de prestação dos serviços e não controlar os recursos necessários ao seu trabalho”.
“Conclamamos os médicos de Jaguariúna a se sindicalizarem para mudar essa realidade e conhecermos melhor essa situação e as estratégias para devolver a dignidade ao trabalho médico, inclusive apoiando juridicamente os médicos independente de sua inserção no mercado de trabalho”, finalizou.
ASAMAS
Em resposta aos questionamentos da reportagem, as superintendências técnica e Administrativa e Financeira da Asamas, informou que trabalha com médicos celetistas, PJ’s e empresas médicas “em concordância com as leis vigentes”, e que nunca promoveu desvalorização dos médicos celetistas.
“Informamos também que o reajuste salarial dos médicos é regido através de convenções coletivas, sendo que os sindicatos patronais e o sindicato dos médicos não entravam em acordo entre as partes evitando assim o reajuste salarial sendo que na última quinta-feira dia 09/03/2023 foi firmado a convenção coletiva dos Médicos Celetistas, sendo assim a ASAMAS comunicou a todos os Coordenadores Médicos sobre o acordo coletivo sendo que no pagamento de abril de 2023 serão corrigidos todos os salários dos Médicos Celetistas conforme convenção”, respondeu.
Questionada sobre as falhas nas escalas médicas, a Asamas respondeu que todas são preenchidas normalmente. “O que temos é que alguns profissionais faltam ou se adoecem, porém, a Administração não mede esforços para manter os atendimentos, inclusive mantendo a qualidade”.
A Asamas também explicou que no UPA, mantém cinco médicos clínicos no período diurno, um médico exclusivo para atendimentos no CAT e três médicos clínicos no período noturno, e um coordenador médico por 8 horas diárias.
A Administração garante que o Pronto Socorro nunca ficou sem médico, e que diariamente disponibiliza um médico socorrista no período diurno e dois médicos socorristas no período noturno. Já em relação ao PAI, informou que mantém três pediatras no período diurno e três no período noturno.
“Referente as especialidades médicas, estamos com quadro praticamente completo, sendo que nesta semana contratamos Neurologista, Neuropediatra, Endocrinologista e Acupunturista em substituição aos profissionais que solicitaram desligamento da instituição. Estamos diariamente em busca da contratação de Pediatras, Anestesiologistas, Obstetras e outras especialidades conforme nossa necessidade”. A Asamas não respondeu à reportagem quantos médicos celetistas e PJs atuam hoje na Saúde, qual o déficit de médicos na rede e o valor da dívida trabalhista na Saúde. Também não foi respondido qual a média de pacientes para cada profissional médico atualmente em Jaguariúna, incluindo demais municípios conveniados.
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