Durante 10 dias fogo consome 'paredão ecológico' em fazenda histórica de Jaguariúna
Uma das principais áreas verdes de Jaguariúna ficou sob o domínio das chamas durante 10 dias. A cada instante, novos focos de incêndio surgiam e o trabalho incansável dos funcionários e proprietários da histórica Fazenda Santa Francisca do Camanducaia parecia não ter fim. O fogo foi controlado somente na noite desta quarta-feira (21).
Uma extensa área de vegetação remanescente da Mata Atlântica ficou praticamente destruída pelas chamas. Ainda na tarde desta quarta, enquanto a reportagem acompanhava de perto o trabalho de combate às chamas, o cenário de destruição emocionava a proprietária do local, a advogada Ariani Bueno Sudatti, 46 anos.
Ela e a mãe Elizabeth, de 74 anos, ficaram todos esses dias na linha de frente combatendo as chamas, que avançava rapidamente em direção ao Centro Cultural Estação Francisca, onde no passado funcionava a leiteria da centenária fazenda.
“Foram vários focos de incêndio, com chamas de até três metros. Esse é um paredão ecológico que praticamente separa o Centro da área rural, e ele está sendo destruído”, apontava Ariani para a mata queimada morro acima. A fumaça provocada pela queimada era possível ser observada da rodovia Campinas-Mogi (SP-340), cerca de 10 km dali.
De onde se registrou os primeiros focos de incêndio, até o ponto onde naquela tarde os funcionários faziam um aceiro para evitar o avanço das chamas, são mais de dois quilômetros de distância. Diversas espécies de pássaros e pequenos animais silvestres foram vistos deixando área de mata, e buscando abrigo em outro ponto próximo ao rio Camanducaia.
“Em 98% dos casos os incêndios são causados pela ação humana, mesmo que culposa (sem intenção), mas é humano. Há vários empreendimentos imobiliários no entorno que a gente observa que a terra foi queimada para se fazer a limpeza. Cabe investigar e precisa ter a consciência de que isso é um crime ambiental gravíssimo, que é punível com reclusão de dois a quatro anos, com multa”, explicou Ariani.
Segundo ela, o Corpo de Bombeiros esteve na propriedade no início da semana, mas, por conta das chamas estarem em área de mata fechada, foi argumentado pelos profissionais de que não era possível realizar o combate.
Além disso, diversos outros focos foram registrados na cidade desde o último sábado (17), parte deles no Morro do Catão – região próxima a fazenda. Com isso foram atendidas as situações em que ocorriam risco eminente à vida humana.
Ao O Jaguar, o Corpo de Bombeiros explicou que da última quinta-feira (15) até esta quarta-feira a corporação combateu 'vários focos' na fazenda.
UMA LUTA
“A gente saía correndo com trator, pegando água, mas a gente não consegue, pois são muitos focos”, contou Elizabeth, visivelmente exausta pelas noites sem dormir. “Nossa vizinha relatou que o fogo começou próximo a propriedade dela, e veio se alastrando pela mata”, continuou.
Dos funcionários da fazenda que trabalhavam no combate, Valdomiro Macedo, 63 anos, já havia perdido as contas de quantos focos de incêndio surgiram ao longo dos dias. “O fogo mais forte ocorreu há uma semana. Agora a situação está praticamente controlada”, disse. Com o sereno da noite as chamas tendem a diminuir.
“A gente tem trabalhado pesado para a recuperação histórica e socioambiental da fazenda. Há três anos que estamos aqui já foram plantadas milhares de árvores nas margens do rio Camanducaia. E ver essa destruição nos dá uma profunda tristeza. É preciso ter mais consciência”, pediu Ariani.
ESTADO DE ALERTA
Jaguariúna está em estado de alerta devido à baixa umidade, conforme informou a Defesa Civil da cidade nesta segunda-feira (19), quando foi registrado índice de 19,3% de umidade relativa do ar. Essa condição climática pode afetar a saúde da população e aumentar o risco de queimadas.
O estado de alerta ocorre quando a umidade do ar varia entre 12% e 20%. Níveis tão baixos como os registrados representam um risco para a saúde, especialmente para grupos mais vulneráveis, como crianças e idosos. Entre os sintomas comuns de desidratação severa estão tontura, confusão mental e cansaço extremo.
A FAZENDA
A Fazenda Santa Francisca do Camanducaia ostenta um belíssimo casarão colonial do século XIX, que foi moradia da família de Amâncio Bueno, fundador da cidade de Jaguariúna. Traz em sua paisagem e construções um passado histórico que remonta à época áurea do cultivo do café no país.
A antiga fazenda colonial escravocrata, produtora de café, com a queda da bolsa de 29, abraçou a monocultura da cana de açúcar e de grãos e a produção de aguardente. Posteriormente, apostou na criação de gado, na reprodução de gado de raça e na produção de leite.
Depois de alguns anos nas mãos de uma grande empresa transnacional da indústria do petróleo, que pretendia transformar o local em um clube de golfe para seus altos executivos, a fazenda foi vendida para a família Bueno, que apesar da coincidência não tem ligações com os fundadores da cidade.
Fotos: Divulgação/O Jaguar
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